Carta Aberta sobre a Rede de Abastecimento de Água
Esta exposição foi remetida à Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares, à Junta de Freguesia de Poiares (Santo André) e à APIN - Empresa Intermunicipal de Ambiente do Pinhal Interior:
O Boletim Municipal nº14 de 16 de Novembro de 2017, distribuído por todo o concelho, noticiou que em Couchel tinha sido “totalmente substituída a rede de abastecimento não só de água como de saneamento e águas pluviais”. Esta afirmação estava incorrecta então e continua a estar hoje.
A “Fonte do Couchel” (conhecida aqui como Fonte da Bica) foi a principal fonte de água para as necessidades diárias da população até ao final da década de 1970. Foi apenas então, como documentado na Comarca de Arganil de 23 de Abril de 1977, e também referido pelo mesmo jornal a 10 de Janeiro de 1978, que foram concluídos os trabalhos de canalização da água às habitações. A notícia deu destaque ao contributo da população, que participou “em grande escala, com o seu trabalho e alguns subsídios”.
A maioria das habitações de Couchel, especificamente, a grande parte das que ladeiam a actual Rua das Flores, continua a ser servida por essa mesma canalização que, segundo o testemunho de vários moradores presentes durante a sua instalação, é feita de fibrocimento com amianto.
Quanto ao saneamento (que entendemos no contexto da notícia como sendo o esgoto sanitário), este é inexistente. Embora este facto surpreenda quem visita a localidade, a verdade é que, para os moradores que se manifestaram, essa não é a principal preocupação – nem o é o estado do pavimento da rua.
Talvez esta percepção tenha sido influenciada pela presença temporária de um cartaz que proclamava “Esta estrada precisa de alcatrão”. No entanto, esse cartaz de propaganda política não reflecte a opinião de vários (para não dizer todos) moradores. O cartaz continha visivelmente as iniciais de um partido político. Não nos cabe a nós moradores controlar o que é afixado e portanto, e respeitando o artigo 175.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, o cartaz ficou durante o período eleitoral e até o clima o desfigurar. Infelizmente, os períodos de campanha eleitoral tendem a gerar confusão. Essa confusão não é culpa da população que já expressou as suas necessidades em diversas ocasiões e por vários meios.
Existe entre os moradores um medo (racional e justificado) de beber água da torneira – ironicamente, a mesma água de Vila Nova de Poiares que recebeu o “Selo de Qualidade Exemplar da Água para Consumo Humano”. O problema não está na água, está no fibrocimento com amianto, um material cancerígeno cuja comercialização e utilização está proibida em Portugal desde 2005.
Apesar de existir a crença de que apenas a inalação destas fibras é nefasta para a saúde pública, múltiplos estudos científicos têm demonstrado os riscos associados ao consumo de água transportada por tubagens de fibrocimento com amianto. A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos estabeleceu limites para a presença de fibras de amianto na água, reconhecendo os seus efeitos nocivos, incluindo o risco de cancro.[1] Investigações realizadas no Canadá confirmaram que tubagens deterioradas podem libertar fibras para a água, potencialmente causando tumores malignos no trato gastrointestinal e outros órgãos.[2] Investigadores da Universidade de Bolonha alertaram que o risco da exposição prolongada a água contendo fibras de amianto pode ter sido subestimado, especialmente em relação a doenças do fígado e ductos biliares.[3] Existe um estudo sobre o potencial perigo da migração de amianto crisotila no ar a partir de água contaminada.[4] Numa reportagem da BBC a 24 de Janeiro de 2024, o investigador Dr. Agostino Di Ciaula afirmou que actualmente “é impossível identificar um limite 'seguro' de fibras de amianto na água potável”.
A preocupação com os riscos do amianto na água potável não é recente na União Europeia. Já em 1980, estudos detectaram concentrações alarmantes de até 550 milhões de fibras de amianto por litro de água potável em casos onde esta apresentava propriedades corrosivas. Em resposta a estes riscos, Estados-membros como a França e a Dinamarca abandonaram por completo a utilização de tubagens de fibrocimento nas suas redes de abastecimento de água. A própria Comissão Europeia, através da Directiva 91/659/CEE de 3 de Dezembro de 1991, no seu Anexo I ponto 6.2.g, proibiu a utilização de fibras de amianto para líquidos e alimentos líquidos, reconhecendo implicitamente que estas fibras não devem ser ingeridas pelo organismo humano.
E é por isso que consideramos que a substituição do pavimento a decorrer actualmente é um desperdício de dinheiros públicos, quando a canalização subjacente permanece inadequada e potencialmente perigosa.
- EPA, 1992. National Primary Drinking Water Regulations: Asbestos ↩︎
- NRC, 2008. Asbestos Cement Water Mains: History, Current State, and Future Planning ↩︎
- Caraballo-Arias Y, Roccuzzo F, et al. Quantitative Assessment of Asbestos Fibers in Abdominal Organs: A Scoping Review ↩︎
- Chiara Avataneo, Jasmine R, et al. Chrysotile asbestos migration in air from contaminated water: An experimental simulation, Journal of Hazardous Materials ↩︎